Exportações brasileiras de carne bovina e desmatamento
Entre 2016 e 2020, houve um aumento de 60% na taxa de desmatamento e conversão impulsionados pela expansão das pastagens para a produção de carne bovina no Brasil. A Amazônia e o Cerrado continuam a ser desmatados, apesar dos compromissos de desmatamento zero assumidos por muitos frigoríficos.
UM REBANHO DE GADO NELORE EM PASTO NO BRASIL (BRASTOCK/SHUTTERSTOCK)
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de carne bovina e o maior exportador do mundo. Em 2021, o país produziu 9,7 milhões de toneladas de carne bovina e abateu 39 milhões de animais. Desse total, 2,4 milhões de toneladas de carne bovina (25,5%) foram exportados, o que gerou uma receita anual de cerca de US$ 8 bilhões.
No Brasil, o desmatamento e a conversão total de vegetação nativa passaram de 1,6 milhão de hectares (Mha) em 2018 para 1,84 Mha em 2019 e 1,83 Mha em 2020. A expansão das pastagens para a pecuária e a especulação fundiária são os maiores vetores diretos do desmatamento e da conversão de terras.
A pecuária impulsiona o desmatamento, apesar da queda na produção de carne bovina.
Dados da Trase revelam que as áreas desmatadas ou convertidas para a pecuária aumentaram de 590.000 hectares (ha) em 2016 para 948.700 ha em 2020 — um crescimento de 60%. No entanto, no mesmo período, a área total de pastagens diminuiu de 164 Mha para 162,5 Mha, e a produção total de carne bovina também caiu de 10,2 milhões para 9,8 milhões de toneladas. A expansão da pecuária improdutiva para fins de especulação fundiária pode explicar essa tendência aparentemente contraditória. Isso indica que a pecuária, seja para a produção de carne bovina, seja para a especulação fundiária, continua a ser o principal motor do desmatamento e da conversão.
Os valores totais podem diferir daqueles dos fluxos comerciais devido à falta de informações sobre os municípios de produção e à não harmonização dos conjuntos de dados. O desmatamento para a produção pecuária voltada ao consumo interno não está incluído.
O Cerrado e a Amazônia estão ameaçados pelo desmatamento para a pecuária.
Houve uma expansão maior de pastagens no Cerrado: 255.385 ha de desmatamento para a pecuária em 2016, e 332.706 ha em 2020. Essa área equivale a mais que o dobro do tamanho da cidade de São Paulo. Na Amazônia, o desmatamento para a pecuária atingiu 257.422 ha em 2016 e 291.955 ha em 2020.
Os municípios amazônicos de Moju, São Félix do Xingu e Altamira, todos no estado do Pará, lideraram o desmatamento para a pecuária, com áreas de 22 mil ha, 15,8 mil ha e 15,4 mil ha em 2020, respectivamente. No Cerrado, o município de Nova Crixás, no estado de Goiás, apresentou o quarto maior desmatamento para a pecuária em 2020, com 14,1 mil ha, seguido por Pium, no estado do Tocantins, com 12,5 mil ha.
As regras da União Europeia geram desafios e oportunidades para os pecuaristas brasileiros.
A partir de 30 de dezembro de 2024, o Regulamento da UE sobre o Desmatamento exigirá que as empresas que comercializam produtos agropecuários, inclusive produtos derivados do gado oriundos do Brasil, como couro, carne e vísceras, demonstrem que tais produtos não foram produzidos em terras recém-desmatadas. O regulamento prevê um sistema para classificar o risco de desmatamento nos países, segundo o qual o Brasil provavelmente será classificado como país de risco alto.
Dados da Trase demonstram que, em 2020, apenas 388 de um total de 3.386 municípios produtores de gado foram responsáveis por 95% de todo o desmatamento para a pecuária no Brasil (observado entre 2016 e 2020). Apesar dessa concentração, esses municípios representaram 42% da produção pecuária brasileira em 2020 (4,3 milhões de toneladas) e 52% das exportações (1,3 milhão de toneladas).
Isso significa que quase 3 mil municípios produtores de gado no Brasil, que representam 58% da produção (6 milhões de toneladas) e 48% das exportações (1,2 milhão de toneladas), apresentam níveis mais baixos de desmatamento e riscos menores de conversão. Se implementada de forma eficaz, a abordagem baseada em riscos da UE para processos de due diligence [devida diligência] pode concentrar os esforços regulatórios onde eles forem mais urgentemente necessários, reduzindo, ao mesmo tempo, o custo de conformidade para as exportações de áreas de baixo risco. Isso inclui concentrar os esforços de rastreabilidade na identificação individual de animais e de seus locais de nascimento nesses municípios-alvo.
JBS, Minerva e Marfrig apresentam maior exposição ao desmatamento.
A análise da Trase demonstra que os três maiores frigoríficos – JBS, Minerva e Marfrig – continuam a ser os mais expostos ao desmatamento e à conversão associados às exportações de carne bovina brasileira, e todas apresentaram uma tendência crescente no período de 2016 a 2020. A JBS lidera o grupo com uma exposição ao desmatamento de 231.808 ha em 2020, acima dos 206.428 ha registrados em 2016.
A Cooperativa dos Produtores de Carne e Derivados de Gurupi (Cooperfrigu), uma cooperativa de agricultores sediada no município de Gurupi, no estado do Tocantins, ficou em quarto lugar em 2020, com uma exposição ao desmatamento para a pecuária de 56.670 ha – o que equivale a mais que o dobro da exposição observada em 2016, de 23.986 ha. A Plena Alimentos, a quinta colocada, aumentou sua exposição ao desmatamento para a pecuária em mais de dez vezes em 2016–2020, ao passo que a Mercúrio Alimentos, a sexta, dobrou sua exposição no mesmo período.
A JBS, a Minerva, a Marfrig e a Cooperfrigu alcançaram altos níveis de conformidade nas auditorias do Ministério Público Federal sobre seus compromissos de desmatamento zero que abrangem compras diretas de gado na Amazônia. Contudo, esses compromissos cobrem apenas uma pequena parte das exportações de gado (ver seção abaixo sobre compromissos de desmatamento zero).
A China apresenta a maior exposição ao desmatamento por importação de carne bovina.
A China (incluindo a região administrativa especial de Hong Kong) continua a ser, de longe, o maior mercado importador exposto ao desmatamento e à conversão para a pecuária do Brasil, mantendo uma tendência ascendente que começou em 2013. Em 2020, as importações da China foram associadas a 494.323 ha de desmatamento para a pecuária (o segundo país da lista é o Egito, com 81.352 ha). No entanto, a exposição chinesa ao desmatamento por tonelada em 2020 foi de 281 ha – inferior à da Turquia (664 ha) e à do Egito (388 ha). A exposição da União Europeia ao desmatamento para a pecuária diminuiu levemente, de 31.141 ha em 2016 para 28.502 ha em 2020.
O consumo interno de carne bovina no Brasil corresponde a cerca de 75% da produção nacional; portanto, é o segmento mais exposto ao desmatamento e à conversão de terras para a pecuária. Contudo, devido à falta de dados oficiais sobre o consumo interno de carne bovina, não é possível calcular o nível de exposição. A iniciativa Do Pasto ao Prato está conduzindo pesquisas sobre essa questão e pretende publicar seus achados em 2024.
Os compromissos de desmatamento zero não protegem o Cerrado e a Amazônia.
Na Amazônia, 73% das exportações de carne bovina em 2020 estavam cobertas por algum compromisso de desmatamento zero (CDZ), o mesmo índice registrado em 2016. Apesar de esses acordos terem sido estabelecidos em 2009, eles parecem não estar conseguindo proteger os ecossistemas nativos. Entre 2008 e 2021, 12 Mha de terras com vegetação nativa na Amazônia foram desmatadas e substituídas por pastagens.
Apesar de o Cerrado ser o bioma mais ameaçado pela conversão para pastagens, somente cerca de 64% das exportações de carne bovina desse bioma estavam cobertas por um compromisso de desmatamento zero em 2020 (o índice era 21% em 2016). Em todo o Brasil, 54% das exportações de carne bovina em 2020 estavam cobertas por um compromisso, acima dos 29% de 2016.
Os compromissos de desmatamento zero do setor pecuário incluem o Compromisso Público da Pecuária firmado pelos então quatro maiores frigoríficos atuantes na Amazônia (Bertin, Marfrig, Minerva e JBS, que posteriormente se fundiu com a Bertin), também conhecido como acordo G4; e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para a carne bovina, que abrange outros frigoríficos da Amazônia e está crescendo em tamanho e abrangência. No âmbito de ambos os acordos, os frigoríficos estão impedidos de comprar gado de fazendas que tenham desmatado na Amazônia após 2009. Contudo, há uma diferença: ao passo que o acordo do G4 representa um compromisso das empresas de evitar qualquer tipo de desmatamento, o TAC exige apenas a prevenção do desmatamento ilegal. Há também um número crescente de compromissos empresariais individuais que abrangem o Cerrado e outros estados amazônicos onde não há TACs, como Maranhão e Tocantins.
O Ministério Público Federal auditou recentemente os compromissos do TAC, avaliando a conformidade das compras diretas de gado pelos frigoríficos signatários, em cinco estados amazônicos, de julho de 2020 a dezembro de 2021. A Minerva e a Marfrig alcançaram 100% de conformidade, ao passo que a JBS alcançou 93,8%. A Mercúrio Alimentos também alcançou 100% de conformidade. Este processo de auditoria apresenta provas confiáveis de que as compras diretas de gado na Amazônia por essas empresas não estão associadas ao desmatamento.
No entanto, os TACs aplicam-se apenas a compras diretas de gado na Amazônia, considerando a última fazenda de engorda que forneceu o gado ao matadouro. Eles não cobrem compras de fazendas mais a montante na cadeia pecuária, isto é, onde ocorre a cria e a recria debezerros e novilhos, e onde pode ter ocorrido desmatamento ou outras ilegalidades. Tampouco consideram outros biomas fora da Amazônia, exceto por uma porção do Cerrado em Mato Grosso. Como resultado, os TACs cobriram apenas 14% das exportações de gado do Brasil em 2020.
A Cooperfrigu e a Plena Alimentos estão localizados em estados amazônicos onde o sistema de TACs não está disponível. Ambas afirmam ter compromissos privados individuais, embora não haja informações disponíveis ao público para confirmar isso, inclusive na plataforma de transparência Boi na Linha.
A Amazônia é a principal fonte de emissões de carbono por desmatamento.
O desmatamento de florestas e outros ecossistemas naturais para a criação de pastagens para o gado libera grandes volumes de gases de efeito estufa, os quais provocam mudanças climáticas. Em 2020, as exportações brasileiras de carne bovina foram associadas ao equivalente a 339,2 milhões de toneladas de CO₂ devido ao desmatamento nos cinco anos anteriores – 37% das emissões anuais totais relacionadas a mudanças no uso da terra do país em 2020.
Embora os pastos usados para a pecuária tenham substituído um pouco mais de vegetação nativa no Cerrado que na Amazônia, as emissões provenientes do desmatamento foram três vezes maiores na Amazônia devido à cobertura florestal rica em carbono acima do solo. Em 2020, as emissões brutas do desmatamento para a pecuária na Amazônia ligadas às exportações de carne bovina foram de 169,4 milhões de toneladas de CO₂, ao passo que, no Cerrado, foram de 57,1 milhões de toneladas de CO₂.
Explore os dados sobre a carne bovina brasileira em Cadeias de Suprimentos da Trase.
Ao citar este artigo, favor adotar o formato a seguir: REIS, T.; ZU ERMGASSEN, E.; PEREIRA, O. Brazilian beef exports and deforestation. Trase, 2023. https://doi.org/10.48650/FTSC-RG72.
Uma explicação detalhada da metodologia adotada pela Trase está disponível em:
TRASE. SEI-PCS Brazil beef v2.2 supply chain map: Data sources and methods. Trase, 2023. https://doi.org/10.48650/CP2S-SP59.
Caso deseje fazer o download do conjunto de dados sobre a carne bovina brasileira, favor acessar:
ZU ERMGASSEN, E. K. H. J.; SUAVET, C.; BIDDLE, H.; SU, N.; PRADA MORO, Y.; RIBEIRO, V.; CARVALHO, T.; LATHUILLIÈRE, M. J. Brazil beef supply chain (2010-2020) (Version 2.2) [Data set]. Trase, 2023. https://doi.org/10.48650/AYAA-HH56.
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