O Brasil é o maior produtor e exportador de soja do mundo. Em 2023, produziu quase 152 milhões de toneladas de soja, das quais 127,3 milhões de toneladas foram exportadas como grãos (80%), farelo (18%) e óleo de soja (2%). A soja foi o segundo maior produto de exportação do Brasil, correspondendo a 16% da exportação total em 2023 e gerando uma receita anual de quase US$53 bilhões.
Desde 2019, houve um aumento do preço da soja principalmente devido à demanda da China por ração animal à base de soja e à guerra da Rússia na Ucrânia. Os preços da soja se estabilizaram em 2024, mas permanecem altos, o que pode incentivar ainda mais o desmatamento e a conversão para expansão dos cultivos de soja.
Dados da Trase mostram que a área de desmatamento e conversão associada à produção de soja aumentou de 635 mil hectares (ha) em 2020 para 794 mil ha em 2022, enquanto a área total de soja plantada aumentou de 37,2 milhões de hectares (Mha) em 2020 para 41,2 Mha em 2022. Apesar do aumento de 4 Mha na área total de soja cultivada de 2020 para 2022, a produção de soja no Brasil diminuiu 14 milhões de toneladas em 2021 e 2022, devido, entre outros, à seca causadas pelo La Niña no sul do país.
A soja também pode atuar como um fator indireto de desmatamento e conversão ao se expandir para áreas que foram previamente convertidas em pastagens. Em 2023, dos39,8 Mha de soja cultivados no Brasil, 6,7% (2,6 Mha) eram pastagem em 2015.
O Cerrado e os Pampas são fronteiras ativas de desmatamento e conversão
O Cerrado foi a região onde os cultivos de soja mais se expandiram e, em 2022, estiveram associados a 375 mil ha de desmatamento e conversão – mais do que o dobro do tamanho da cidade de São Paulo. Os Pampas também registraram altas taxas de conversão da vegetação natural para o plantio de soja. Em 2022, foram colhidos 250,8 mil ha de soja em áreas recentemente desmatadas ou convertidas nesse bioma.
Para efeito de comparação, a produção de soja na Amazônia em 2022 esteva associada a 117 mil ha de desmatamento – muito menor do que nos biomas Cerrado e Pampas.
Embora apenas 6,3% do desmatamento associado à soja em 2022 tenha ocorrido na Mata Atlântica (50.000 ha), esse dado é preocupante pois é ilegal desmatar a Mata Atlântica nativa desde 2006.
Vale destacar que a versão mais recente do banco de dados do MapBiomas usado pela Trase como referência para o cálculo de desmatamento e conversão nos Pampas, Pantanal, Caatinga e Mata Atlântica contabiliza com mais precisão a conversão de vegetações nativas não florestais e campos naturais do que as versões anteriores, resultando em estimativas mais altas da área de desmatamento e conversão associados à soja. Isso é principalmente significativo nos Pampas, onde o desmatamento total e a conversão associada àsoja entre 2008 e 2023 passaram de 363.800 ha para 508.800 ha. Para todo o Brasil, no mesmo período, a estimativa passou de 2,07 milhões de hectares para 2,56 milhões de hectares.
O regulamento de desmatamento da UE cria desafios e oportunidades para os produtores de soja brasileiros
O regulamento de desmatamento da UE (EUDR) foi aprovado em 2023 ea partir de 30 de dezembro de 2025 a devida diligência nas importações de determinadas commodities agropecuárias, incluindo a soja do Brasil. O objetivo é evitar a entrada nos países membros do bloco de produtos produzidos em áreas convertidas ou desmatadas após a data limite de 31 de dezembro de 2020. O regulamento estabelece um sistema de comparação para classificar os países como de baixo, médio ou alto risco, a fim de facilitar os processos simplificados de devida diligência por parte dos operadores que compram de países de baixo risco e permitir que as autoridades competentes direcionem e priorizem a fiscalização de forma mais eficaz.
Os dados da Trase mostram que, em 2022, apenas 370 de um total de 2.525 municípios produtores de soja concentraram 95% do desmatamento por soja no Brasil (entre 2017 e 2022). Esses municípios foram responsáveis por 58% da produção de soja do Brasil em 2022 (70 milhões de toneladas) e 52% das exportações (51 milhões de toneladas). Dos 370 municípios, 123 estão localizados na região do Matopiba, uma das principais fronteiras de expansão da produção, responsável por 38% do total de desmatamento e conversão associada à soja em 2022. No Estado do Rio Grande do Sul (bioma Pampas), 75 municípios produtores de soja foram responsáveis por 33% do total de desmatamento e conversão associados à commodity em 2022.
Isso significa que a maioria das exportações de soja em 2022 está associada a menos de 5% do desmatamento e da conversão por soja no Brasil, destacando que os riscos de não conformidade com a EUDR estão concentrados em determinadas regiões. Isso demonstra a importância de que o sistema de classificação de riscoda EUDR considere e diferencie o risco das regiões subnacionais de produção, especialmente em países grandes como o Brasil, onde o desmatamento está concentrado em regiões específicas. Da mesma forma, o uso da avaliação de risco subnacional pelas autoridades competentes para direcionar as verificações poderia concentrar a fiscalização onde ela é mais necessária.
Exposição ao desmatamento de mercados exportadores
A China continua a ser o mercado mais exposto ao desmatamento devido às suas importações de soja, seguida pelo mercado interno do Brasil e pelas importações da União Europeia (UE).
A capacidade da Trase de vincular todas as exportações brasileiras aos municípios produtores com base em dados disponíveis publicamente é um desafio para o período de 2020–2022 devido, principalmente, à falta de informações nos dados comerciais e nos dados sobre a propriedade de silos e esmagadoras. Desta forma, 15–18% da soja comercializada em 2020–2022 (aproximadamente 20 milhões de toneladas) não pode ser associada a um município específico de produção de soja (município desconhecido). Para levar isso em conta, os dados da Trase sobre a cadeia de suprimentos de soja brasileira agora incluem a exposição ao desmatamento de empresas comerciais e mercados associados ao seu abastecimento proveniente de municípios desconhecidos.
Para isso, a Trase primeiro atribuiu a exposição ao desmatamento às empresas e aos mercados importadores de acordo com seu abastecimento proveniente de municípios produtores de soja conhecidos, com base no desmatamento associado à soja por tonelada específico do município. Em seguida, o desmatamento restante, não contabilizado, foi alocado a empresas e fluxos comerciais do mercado de importação originários de municípios desconhecidos. Semelhante à primeira etapa, o desmatamento por tonelada foi calculado dividindo-se o desmatamento associado à soja restante pela produção total proveniente de municípios desconhecidos e atribuído a empresas e mercados com base em seu volume comercializado proveniente de municípios desconhecidos. Isso evita que países importadores e traders com um volume maior de soja de origem desconhecida aparentem ter uma exposição menor ao desmatamento. Também permite a alocação de todo o desmatamento por soja do Brasil para as cadeias de suprimentos nacionais e internacionais.
Para alguns países importadores, há uma diferença significativa na quantidade de soja e desmatamento que foi possível ser associada a municípios específicos produtores de soja. Por exemplo, em 2022, 97% das importações de soja da China e 96% de sua exposição ao desmatamento associado puderam ser associadas a municípios produtores de soja, enquanto para a UE, isso foi possível em apenas 58% das importações e 55% da exposição ao desmatamento. Dadas essas diferenças, é importante que os usuários entendam que os países ou traders com grau mais alto de abastecimento desconhecido terão uma proporção menor de sua estimativa de exposição ao desmatamento associado à região subnacional de origem da soja, já que sua exposição ao desmatamento por abastecimento desconhecido é o desmatamento médio por tonelada de todos os fluxos comerciais desconhecidos.
Comerciantes mais expostos ao desmatamento e conversão por soja
As grandes traders – Bunge, COFCO e Cargill – são as mais expostas ao desmatamento e à conversão em sua cadeia de suprimento de soja, representando, respectivamente, 77.700 ha (9,6%), 67.800 ha (9%) e 55.100 ha (8%) em 2022. Em 2020–2022, a exposição da Bunge e da Cargill permaneceu estável, enquanto a exposição da COFCO aumentou significativamente de 27.100 ha em 2020. Isso se deve ao fato de a COFCO ter fornecedores concentrados nos Pampas e, conforme observado acima, à maior capacidade do MapBiomas de detectar a conversão de vegetações nativas não florestais e campos naturais.
NovaAgri, uma empresa brasileira de agronegócios e subsidiária da Toyota Tsusho Corporation, foi a quarta trader mais exposta ao desmatamento e à conversão em 2022, apesar de ser apenas a sétima em exportações de soja.
Conforme discutido acima, para os mercados de exportação, os dados da Trase sobre a cadeia de suprimentos da soja brasileira agora incluem exposição ao desmatamento associado à soja proveniente de regiões de produção desconhecidas. É importante que os usuários entendam as implicações disso ao interpretar os dados sobre a exposição ao desmatamento pelas traders.
Compromissos de desmatamento zero fora da Amazônia são insuficientes
Em 2022, 59 milhões de toneladas de soja (79% do volume total) foram negociadas por empresas com compromisso de desmatamento zero (CDZ).
A Moratória da Soja na Amazônia, um compromisso voluntário assinado por mais de 25 empresas, é o CDZ mais eficaz em vigor do Brasil. Em 2022, 92% da soja da região (7 milhões de toneladas) foi fornecida por empresas signatárias. As áreas cobertas pela moratória têm taxas relativas de desmatamento associadas à soja muito mais baixas do que outras regiões de produção da commodity. A intensidade do desmatamento para produzir soja na Amazônia foi de 3,2 hectares por 1.000 toneladas em 2022 em áreas cobertas pela moratória, em comparação com 5 hectares por 1.000 toneladas para produção não coberta por nenhuma CDZ. Isso mostra a importância da moratória em promover a produção sustentável de soja na Amazônia e a necessidade de resistir às tentativas de enfraquecê-la.
Fora da Amazônia, 73% da produção total de soja (52 milhões de toneladas) foi comercializadas por empresas com um CDZ. Apesar dessa cobertura, o desmatamento e a conversão por soja continuam altos em biomas como o Cerrado e os Pampas, o que significa que os CDZs individuais das empresas parecem ser muito menos eficazes na prevenção do desmatamento que a moratória, que é um acordo coletivo.
Emissões de carbono do desmatamento e conversão por soja
O desmatamento e a conversão associados à expansão da produção de soja em 2022 resultaram na liberação de 121 milhões de toneladas de CO₂ – 9% das emissões anuais totais de mudanças no uso da terra do país. A soja substituiu três vezes mais vegetação nativa no Cerrado do que na Amazônia, mas as emissões do desmatamento foram apenas 42% mais elevadas no Cerrado (49 milhões de toneladas de CO₂) em comparação com o bioma amazônico (28 milhões de toneladas de CO₂).
Os autores agradecem aos pesquisadores e cientistas de dados que contribuíram para esta análise: Harry Biddle, Florian Gollnow, Michael Lathuillière, Nicolás Martín, Carina Mueller, Vivian Ribeiro e Clément Suavet.
Explore os novos dados sobre a cadeia de suprimentos da soja brasileira
Uma explicação detalhada da metodologia da Trase está disponível em: Trase. (2025). SEI-PCS Brazil soy v2.6 supply chain map: Data sources and methods. Trase. https://doi.org/10.48650/X24R-YK29
Para fazer referência a este artigo, use a seguinte citação: Pereira, O., e Bernasconi, P. (2025). Exportação de soja brasileira e desmatamento. Trase. https://doi.org/10.48650/Q48G-MJ07
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