Dúvidas sobre a conformidade ambiental da soja brasileira colocam em risco exportações para a União Europeia
Com lacuna em dados oficiais, traders do agronegócio enfrentarão dificuldades para demonstrar que a soja da Amazônia e do Cerrado cumpre as normas do Código Florestal brasileiro. Cenário ameaça exportações para a União Europeia, que está prestes a exigir que empresas demonstrem que as importações de commodities agrícolas cumprem as leis ambientais dos países de produção.
Estudo divulgado hoje [1] aponta que 16% da soja plantada na Amazônia e no Cerrado em 2020 estava em fazendas que não cumprem o Código Florestal [2]. A maior parte dessa produção foi exportada para os mercados da China e da União Europeia.
Outra fatia equivalente a 58% da área total teve origem em áreas sob suspeita de irregularidades ambientais, mas cuja situação real não pode ser avaliada em razão da ausência de dados públicos disponíveis. No total, 74% da produção seria potencialmente afetada, em maior ou menor grau, por dúvidas em seus padrões de conformidade.
Os números sugerem que as grandes traders do agronegócio enfrentarão dificuldades para demonstrar sistematicamente a legalidade de suas cadeias de fornecimento.
“Dados oficiais sobre autorização de desmatamento e mecanismos de regularização poderiam ajudar a esclarecer se essas fazendas estão em conformidade, mas esses dados não estão disponíveis”, disse André Vasconcelos, Líder de Engajamento Global da Trase. “Isso se tornará um problema para os comerciantes de soja e mercados consumidores que desejam verificar se as suas importações de soja cumprem todas as leis relevantes."
As regras do EU Deforestation Regulation (EUDR) começam a valer para as grandes empresas a partir de dezembro de 2024. Pequenas e médias companhias do setor serão incorporadas na sequência. Além de exigir que as importações de commodities agrícolas sejam oriundas de áreas que não tenham sido desmatadas após 31 de dezembro de 2020, o EUDR também requer a comprovação de que as áreas produtoras cumpram as leis ambientais em seus países de origem, o que inclui o Código Florestal Brasileiro [3].
“A maior parte da soja do Cerrado e da Amazônia, 74%, pode apresentar problemas com essa exigência de legalidade”, disse Vasconcelos. “Ao mesmo tempo, mais de 95% da soja nesses dois biomas é oriunda de áreas sem novos desmatamentos [4]. Dessa forma, estes problemas de verificação representam uma oportunidade perdida para o setor da soja no Brasil. É como se alguém estivesse vendendo um carro emissões zero, mas que não passa nas verificações básicas de segurança.”
Ana Paula Valdiones, coordenadora de Transparência Ambiental do ICV, avalia que o Brasil e a União Europeia estão diante de uma oportunidade para fortalecer a implementação do Código Florestal. “Isso é crucial para que se alcance o objetivo comum da conservação ambiental.”
Para mais informações, entre em contato:
Rodrigo Vargas, coordenador do núcleo de Comunicação do Instituto Centro de Vida | rodrigo.vargas@icv.org.br | +55 65 98125-4747
Jolene Tan, líder de comunicações da Trase na Global Canopy | j.tan@globalcanopy.org | +44(0)7961 657 952
Notas para editores
[1] A pesquisa foi realizada em parceria e será publicada pelo Instituto Centro de Vida (ICV) e Trase em colaboração com o Programa Atlas Agropecuário do Imaflora. O relatório completo estará disponível nos sites do ICV e da Trase no dia 26 de setembro de 2023. Uma cópia embargada do sumário executivo estará disponível mediante solicitação.
Um webinar de lançamento será realizado às 10h00 (BRT) / 14h00 (BST) /15h00 (CEST) com apresentações de André Vasconcelos (Trase), André Dias (Sema Mato Grosso) e Salima Kempenaer (FPS Governo da Bélgica). Moderado por Jane Lino do Proforest, o webinar será bilíngue (inglês e português) com interpretação simultânea. Inscrições: http://www.bit.ly/legalsoy2023.
O Instituto Centro de Vida (ICV) é uma organização da sociedade civil brasileira com sede no estado de Mato Grosso. Sua missão é construir soluções compartilhadas para a sustentabilidade do uso da terra e dos recursos naturais. Para esse fim, realiza estudos técnicos e ações de advocacy, além de trabalhar no campo em parceria com atores locais.
A Trase é uma iniciativa de transparência, baseada em dados, que mapeia o comércio e financiamento internacional de commodities que promovem o desmatamento e a conversão nos trópicos.
[2] O Código Florestal é a principal lei ambiental brasileira que regulamenta o uso da terra, garante a proteção das florestas e de outros ecossistemas e garante o monitoramento da conformidade ambiental das propriedades rurais. Ao avaliar o cumprimento do Código Florestal, os pesquisadores identificaram fazendas de soja onde desmatamento ocorreu sem autorizações necessárias, bem como imóveis com déficit de Reserva Legal. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm
[3] Artigo 3.º, alínea b), do EUDR: https://eurlex.europa.eu/legalcontent/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32023R1115
[4] O relatório define a soja comercializada em 2020 como “livre de desmatamento” se não tiver sido produzida em áreas desmatadas entre 2015 e 2019.