Rumo ao net zero: Mato Grosso investe na recuperação de pastagens degradadas para aumentar suas exportações de carne sem desmatamento

Investir na recuperação de pastagens é chave para melhorar o desempenho ambiental da produção de carne bovina em Mato Grosso. Baseado em um estudo do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (LAPIG) da Universidade Federal de Goiás (UFG), essa análise da Trase ajuda a identificar os locais e atores estratégicos a serem envolvidos em tais investimentos.

Published on 19 Aug 2024

Osvaldo Pereira, André Vasconcelos

Photo credit: Marcio Isensee e Sá / o eco

O estado de Mato Grosso é o maior produtor de carne bovina do Brasil, com 15% da produção total e 22% das exportações do país. O estado tem também o maior valor bruto da produção agropecuária (VBP): US$ 14 bilhões em 2023, e a pecuária representa 20% desse total. O estado também ostenta a segunda maior área de pastos do país: 21 milhões de hectares (ha) em 2022, cerca de 12% do total. Portanto, Mato Grosso desempenha um papel fundamental na economia do agronegócio brasileiro e a pecuária contribui de forma importante para isso.

No entanto, cerca de 5,2 milhões de hectares (ou 18%) dessas pastagens encontram-se severa ou altamente degradadas; e outros 4,3 milhões de hectares (ou 30%) apresentam níveis intermediários de degradação. Além de questões ambientais e climáticas, como por exemplo as emissões de gases de efeito estufa envolvidas, a degradação das pastagens em Mato Grosso oferece riscos significativos para a produtividade agrícola, e podem comprometer futuramente a capacidade de exportação de carne bovina do estado para atender ao aumento da demanda internacional, especialmente da China.

As pastagens degradadas não apenas liberam na atmosfera o carbono armazenado no solo, contribuindo para as mudanças climáticas, mas também limitam a capacidade do solo de sequestrar carbono de forma eficaz. A diminuição da produtividade das pastagens pressiona o setor agrícola, reduzindo significativamente a taxa de lotação. Tratar da degradação das pastagens no Mato Grosso é, portanto, crucial para a sustentabilidade ambiental e para a resiliência e produtividade no longo prazo da paisagem agrícola da região.

Pastagens degradadas se concentram no sul de Mato Grosso

Embora a degradação das pastagens ocorra em todo o estado, o problema é especialmente grave em determinadas áreas específicas. Em Mato Grosso, todos os 141 municípios apresentam pastagens com algum grau de degradação; contudo, metade das pastagens degradadas estão concentradas em menos de 50 municípios, predominantemente no sul do estado. Municípios relevantes para produção pecuária como Vila Bela da Santíssima Trindade, Porto Esperidião e Itiquira têm grandes áreas de pastagens severamente degradadas. Em 2021, esses municípios — que juntos somam 7% da área de pastagens degradadas — foram responsáveis por 53.433 toneladas (ou 11%) das exportações de carne bovina do estado. Esse fato traz uma oportunidade para concentrar incentivos, intervenções e recursos onde possam gerar impactos substanciais.

Poucas empresas e países importadores estão ligados a áreas com necessidades críticas de recuperação de pastagens

Nossa análise revela que as empresas JBS, Marfrig e Minerva, os três principais frigoríficos do país, são os principais compradores de carne bovina das regiões de Mato Grosso com as maiores concentrações de pastagens degradadas; e a China, o Egito e a União Europeia são os principais destinos de exportação. Esses atores são vitais para canalizar investimentos para a restauração de pastagens em Mato Grosso. Ao exercerem influência significativa, esses frigoríficos, juntamente com seus mercados, podem contribuir com a provisão de incentivos para promoção de práticas sustentáveis e avanços tecnológicos nos esforços de recuperação de pastagens.

Em 2020, essas três empresas dominaram as exportações de carne bovina originadas em municípios com áreas significativas de pastagens degradadas em Mato Grosso e com necessidade de intervenção de extrema a intermediária. Coletivamente, eles exportaram o volume substancial de 150.644 toneladas — ou 81% das exportações — de carne bovina da região. A JBS deteve a maior participação naquele ano (41%), seguida pela Marfrig (27%) e pela Minerva (13%).

A China, incluindo a China continental e a Região Administrativa Especial de Hong Kong, emergiu como um mercado significativo, recebendo 68% (125.572 toneladas) das exportações de carne bovina de municípios em Mato Grosso com pastagens degradadas e com extrema e alta necessidade de intervenção em 2021. Isso indica que uma proporção considerável das importações de carne bovina da China provém de áreas com pastagens significativamente degradadas e que precisam de ações de recuperação.

Investimentos na recuperação de pastagens podem impulsionar a produção sem desmatamento em Mato Grosso

Investir na recuperação de pastagens pode acelerar a transição para uma pecuária de corte com emissões líquidas iguais a zero em Mato Grosso. Isso pode ser realizado aumentando a capacidade de armazenamento de carbono das pastagens e reduzindo a necessidade de expandir essas áreas sobre a vegetação nativa. Um estudo recente indica que a eficiência técnica da pecuária brasileira alcança, em média, 81% de seu potencial.

É fundamental que as partes interessadas, incluindo empresas exportadoras e países importadores, reconheçam a necessidade de investimentos em iniciativas de recuperação de pastagens em Mato Grosso. Como maior produtor de carne bovina e segundo maior exportador do Brasil, Mato Grosso desempenha um papel fundamental no mercado global de carne bovina. Desafios ambientais significativos, particularmente a degradação das pastagens e suas repercussões nas emissões de carbono e na produtividade agrícola, ressaltam a necessidade de esforços colaborativos para apoiar práticas sustentáveis.

Atualmente, o Brasil está adotando medidas significativas para aumentar os investimentos na produção agrícola em pastagens degradadas. O Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD), coordenado pelo Ministério da Agricultura (MAPA), pretende restaurar 40 milhões de hectares de pastagens degradadas, oferecendo crédito com juros baixos para pequenos e médios produtores. Empresas privadas como a JBS também estão investindo. A empresa informa que já ofereceu apoio a mais de 19 mil fazendas desde 2021 por meio de crédito facilitado para o aprimoramento das técnicas de gestão da produção de carne bovina.

Ao canalizarem recursos para a recuperação de pastagens e produção de baixo carbono, é possível não apenas mitigar os impactos ambientais, mas também garantir a continuidade do sucesso e da resiliência da paisagem agrícola de Mato Grosso, sem necessidade de usar novas terras para a produção de gado. Esses investimentos estratégicos não apenas beneficiarão a região, mas também contribuirão para reduzir os impactos na cadeia global de suprimentos da carne bovina.

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